quarta-feira, 29 de outubro de 2008

CIA. DO FEIJÃO

Histórico

A criação em equipe, encabeçada pela dupla de diretores Pedro Pires e Zernesto Pessoa, investe em pesquisa de campo e documentos históricos. Temas e personagens içados da literatura brasileira ajudam a interpelar criticamente o passado e o presente, enquanto interpretação e dramaturgia adotam como referência os recursos do ator-narrador.

O grupo nasce por ocasião das comemorações do centenário de nascimento de Bertolt Brecht, em 1998 e estréia em Piracicaba, São Paulo, com a peça O Julgamento do Filhote do Elefante. Com uma trajetória pautada pela inclusão cultural em todos os níveis; espetáculos são levados a públicos e lugares os mais diversos.

O segundo espetáculo, Movido a Feijão, também de 1998, estréia nas ruas de Cordisburgo, a cidade natal do escritor João Guimarães Rosa, no interior de Minas Gerais, indício da impregnação pela literatura.

A montagem seguinte, O Ó da Viagem, 1999, toma como inspiração O Turista Aprendiz, livro que reúne os diários de viagem de Mário de Andrade pelo Norte e Nordeste brasileiros. A dramaturgia inclui experiência da própria turnê da companhia pelo Sertão do Cariri, na Paraíba e Pernambuco. Os intérpretes são viajantes-narradores paulistas que observam com olhos de "estrangeiros" o universo sertanejo.

Para a crítica Mariangela Alves de Lima, a companhia apresenta "uma caderneta de campo em forma de espetáculo" ao reaproximar regiões do país. "Na sua austeridade melódica e rítmica, as músicas do espetáculo nos lembram que há uma outra possibilidade estética, a do rigor construtivo e da economia", afirma.

É comum aos atores o desdobramento em múltiplas personagens. Os projetos põem em relevo as linguagens do canto e do teatro populares, e alternam entre o trágico e o cômico. Além de firmar tais passos, Mire Veja, 2003, instaura a vida urbana no repertório. A montagem que transpõe para a cena histórias do contista Luiz Ruffato é contemplada pelos Prêmios Shell e Associação Paulista dos Críticos de Artes - APCA, consolidando o nome da companhia.

A linguagem teatral é ampliada com a experiência de rua Reis de Fumaça, 2004, que funde danças dramáticas, poesia e músicas populares para tratar da escravidão no Brasil. Extrai do cotidiano dos brincantes um abismo entre a dura realidade da sobrevivência e a alegria contrastante do jogo.

Contra-sensos sociais na formação do país surgem de modo mais veemente em Nonada, 2006, quando a companhia inaugura sua sede ao lado do Teatro de Arena, no centro de São Paulo. Entrelaça personagens de Mário de Andrade - espécie de bússola da companhia -, Machado de Assis, Clarice Lispector e outros. O desejo é pôr em xeque o processo conservador de modernização do país.

Sobre Nonada, o crítico Kil Abreu comenta: "Nessa arqueologia de sujeitos incertos - uma velha que perambula, morando de favor de casa em casa; uma dondoca surpreendida por um mendigo -, o espetáculo vai aos poucos puxar os fios de seu tema subliminar: o de um lugar sem nenhuma saída, onde se representa a repetição ad infinitum das experiências histórias. (...) Um olhar necessário para perceber as imagens de uma memória do luto, por um país que só se reconhece no erro. Quando muito na renovação das mesmas falhas, travestidas de esperança oca, sem projeto de mudança verdadeira".

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